Por muito tempo, a ideia de uma ponte ligando Salvador à Ilha de Itaparica parecia menos um projeto concreto e mais uma figura de retórica política, usada como promessa de campanha ou argumento de palanque. Não se tratava exatamente de um sonho coletivo: enquanto setores do empresariado, urbanistas e governos viam na ponte uma revolução na infraestrutura baiana, outras vozes alertavam para os riscos ambientais, impactos sociais e até para os custos políticos e financeiros de uma obra com tantas incertezas.
Durante anos, o projeto oscilou entre euforia e ceticismo. Anunciado e abandonado diversas vezes desde os anos 1960 — quando o governador Luiz Viana Filho prometeu a construção da ponte pela primeira vez em 1963, com licitações chegando a ser lançadas ainda na década seguinte — reapareceu com força no início da década de 2010, mas só a partir de 2019 passou a ser tratado com seriedade administrativa. Ainda assim, a demora na execução e os entraves jurídicos e ambientais alimentaram uma sensação de que a ponte poderia nunca sair do papel — uma espécie de miragem sobre as águas da Baía de Todos-os-Santos.
Mas agora, tudo indica que vai sair. Em 2025, o Governo da Bahia e a Concessionária Ponte Salvador-Itaparica (CPSI) concluíram a etapa de sondagem geotécnica e anunciaram o início do projeto executivo, com previsão de instalação dos canteiros de obra ainda este ano e início da construção para 2026. O contrato de concessão tem validade de 35 anos e envolve empresas chinesas de porte internacional. E, com mais de 12 quilômetros de extensão, a Ponte Salvador-Itaparica será a maior da América Latina sobre o mar — ligando muito mais que dois territórios: ligando promessas à realidade, e expectativas às suas consequências.
Um dos pontos mais enfatizados pelo governo estadual e pela concessionária é que a ponte não será apenas uma obra de mobilidade. Ela será um novo eixo de desenvolvimento econômico. A estimativa é de que mais de 7 mil empregos sejam gerados durante a fase de construção.
De acordo com o Governo da Bahia, espera-se um impacto duradouro sobre o PIB da Bahia, ao integrar regiões turísticas, escoar melhor a produção rural do interior e atrair investimentos para o mercado imobiliário, comércio e indústria.
O Sistema Rodoviário Ponte Salvador-Itaparica, conforme explica a gestão, prevê uma infraestrutura muito mais ampla que apenas a travessia sobre o mar. O conjunto inclui novos acessos em Salvador, a ponte em si e uma grande ampliação viária em Vera Cruz, no Recôncavo Baiano.
Ligação urbana se fará por conjunto de viadutos
Do lado da capital, a ponte sairá da região da Calçada, nas imediações da Feira de São Joaquim. Não será, portanto, a partir da Pedra da Marinha ou do Comércio, como chegou a circular. A ligação urbana se dará por um conjunto de viadutos e dois novos túneis, paralelos aos da Via Expressa, totalizando 4 km de novas estruturas viárias até a cabeceira da ponte.
A ponte, por sua vez, terá 12,4 km de extensão sobre o mar, cruzando a Baía de Todos-os-Santos até chegar à Ilha de Itaparica, no município de Vera Cruz. A partir dali, haverá uma via expressa de 22 km passando por Mar Grande até as proximidades de Cacha Pregos. Um trecho da BA-001, entre Cacha Pregos e a Ponte do Funil, será duplicado (mais 8 km). O objetivo é garantir o escoamento seguro e rápido do tráfego, ligando não só Salvador a Itaparica, mas também o Litoral Sul ao Recôncavo, ao Baixo Sul e, indiretamente, ao Oeste baiano.
As transformações previstas vão muito além do trânsito e da engenharia. A proposta é reposicionar a ponte como um sistema logístico de grande impacto econômico, social e turístico. A Concessionária estima que mais de 70% da população baiana, em cerca de 250 municípios, será beneficiada direta ou indiretamente.
Segundo Cláudio Villas Boas, CEO da CPSI, em declaração exclusiva à Tribuna da Bahia, o Sistema Rodoviário Ponte Salvador-Itaparica é o ponto de partida de um novo capítulo na mobilidade e logística do estado da Bahia, que beneficiará mais de 10 milhões de baianos. Vamos encurtar distâncias, fortalecer o turismo e dinamizar o comércio. Este é um dos maiores investimentos em infraestrutura do Brasil e um dos projetos mais estratégicos da história da Bahia.”
A expectativa é de que a obra gere mais de sete mil empregos diretos durante a construção. Além disso, impulsionará a valorização imobiliária, atração de novos negócios, logística agrícola e industrial no interior do estado e fortalecimento do turismo nas zonas costeiras do Litoral Sul e Baixo Sul.
Histórico – A ideia de ligar Salvador à Ilha de Itaparica por uma ponte remonta a mais de meio século. Há registros de estudos desde os anos 1960, mas os primeiros movimentos mais estruturados ocorreram nas gestões estaduais do início dos anos 2000. Ainda assim, o projeto era visto como “grande demais” para a realidade orçamentária baiana, e enfrentava resistência por parte de especialistas que apontavam fragilidades técnicas e alto impacto ambiental.
Foi apenas em 2019 que a proposta passou a avançar efetivamente, com a modelagem de uma Parceria Público-Privada (PPP) pelo Governo da Bahia. Em 2020, o contrato de concessão foi assinado com um consórcio liderado por duas gigantes chinesas do setor de infraestrutura: a China Communications Construction Company (CCCC) e a China Civil Engineering Construction Corporation (CCECC). Ambas têm no currículo obras monumentais, como a ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, a maior ponte marítima do mundo.
Com a chegada da pandemia de Covid-19, o cronograma sofreu atrasos. Apenas em abril de 2025 foi concluída a fase de sondagens geotécnicas, que envolveu perfurações em águas rasas e profundas da Baía de Todos-os-Santos. Desde então, o projeto retomou força — e a promessa de que finalmente vai sair do papel.
Muitas polêmicas cercaram a ponte
Apesar do impacto prometido, o projeto não esteve imune a críticas. Ambientalistas questionaram a ausência de dados públicos sobre possíveis impactos nos ecossistemas marinhos da Baía de Todos-os-Santos. Comunidades tradicionais — pescadores, marisqueiras e povos de matriz africana — expressaram receios sobre a transformação de seus territórios. Já urbanistas alertaram para o risco de expansão desordenada em Vera Cruz e municípios do entorno, caso não haja planejamento integrado.
A demora na execução do projeto também gerou desgaste político. A ponte virou símbolo de lentidão administrativa, alimentando críticas de que seria um “elefante branco” prometido a cada eleição.
O CEO da Concessionária reconhece o desafio e afirma que o projeto busca respeitar e dialogar com os diferentes atores.
“Mais do que uma obra de engenharia, trata-se de uma transformação social e cultural. Estamos trabalhando com empresas locais, ouvindo comunidades e incorporando ações socioambientais que assegurem benefícios sustentáveis. A ponte é o marco de um novo tempo na Bahia, mas ela precisa ser construída com responsabilidade e transparência.”
Após a conclusão da etapa de sondagens e do avanço do projeto executivo, o foco da CPSI agora é instalar os canteiros de obras e cumprir o cronograma contratual. As obras devem começar oficialmente em 2026.
Enquanto isso, a concessionária reforça sua presença nas redes sociais, divulgando vídeos em 3D, entrevistas com técnicos e planos interativos para manter a população informada.
A ponte, finalmente, parece sair do campo da promessa para o da execução. Mas seu sucesso dependerá da capacidade de equilibrar os ganhos econômicos com os impactos sociais e ambientais, e de garantir que a modernidade se traduza em qualidade de vida para quem mais precisa.